Há duas semanas que é um martírio usar internet em Moçambique, sobretudo os aplicativos sociais. Desde 25 de Outubro que o acesso à internet é limitada, quando se cumpria o segundo dia da segunda fase de manifestações, que se agudizaram esta quinta-feira no encerramento daquilo que Venâncio Mondlane, candidato presidencial às últimas eleições, chamada de terceira fase.
Não houve qualquer tipo de informação oficial ao ‘apagão’ à internet, restrigindo, assim, o direito a informação por parte dos moçambicanos que, nesta ‘era digital’ viram os seus estudos, trabalhos e negócios a recrudescerem vertiginosamente. Ainda que não tenha havido qualquer informação, é notável que este fenómeno deveu-se às maninfestações que ocorrem em quase todo o país, onde Mondlane, que se proclama vencedor das eleições, reivendica a verdade eleitoral, mas também os raptos e sequestros, os esquadrões de morte que recentemente vitimiram Elvino Dias e Paulo Guambe, os excessos da polícia e outros problemas sócio-políticos.
Estas limitações ao acesso à internet, sobretudo nas redes de telefonia móvel, têm gerado um descontentamento generalizado entre os utilizadores, que denunciam danos socioeconómicos significativos.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos condenou esta situação, enquanto a Defesa dos Consumidores alertou para a possibilidade de responsabilização das operadoras envolvidas.
Edite Januário, uma mãe cuja comunicação com os filhos residentes no estrangeiro sempre se fez através das redes sociais, partilhou a sua frustração: “Há uma semana que não consigo enviar áudios nem mensagens. As minhas filhas sugeriram o uso de outro aplicativo, mas mesmo assim não consigo. Tudo está parado e não podemos fazer nada”, lamentou.
Os problemas não se restringem apenas à comunicação familiar. Usuários como Enzo Camilo relatam dificuldades em realizar operações que dependem dos dados móveis. “Tentei mandar mensagens e, após 11 horas no domingo, só consegui sentir indignação. Não sabemos o que está a acontecer, e isso causa-nos preocupação, pois não conseguimos navegar”, expressou.
A situação é ainda mais crítica para os transportadores que dependem de aplicativos para encontrar clientes. Gildo Augusto indicou que, devido às limitações de internet, o número de clientes que consegue atender caiu drasticamente, de 16 para apenas 3 por dia. “Temo que um pedido desapareça por causa da má internet, o que pode causar mal-entendidos com os passageiros”, disse, pedindo uma resolução urgente para o problema.
Henriques Chapepo, outro transportador, fez um apelo similar, destacando a gravidade da situação: “Com uma boa internet, consigo fazer até 16 viagens por dia. Neste momento, só fiz 3 e a situação está caótica. Pedimos que quem de direito resolva isto rapidamente.”
A falta de comunicação oficial por parte do regulador da telecomunicações tem sido uma fonte de descontentamento. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos criticou a gestão da situação, considerando-a uma violação dos princípios do Estado de Direito Democrático e do pluralismo político. “Esses actos prejudicam a dignidade humana e comprometem os esforços para uma paz efectiva e duradoura”, refere o comunicado do Conselho.
O órgão exige uma explicação pública do Instituto Nacional de Comunicação de Moçambique, responsável pela regulação das telecomunicações, sobre as razões para a restrição do acesso à internet, assim como a regularização da situação para restaurar a normalidade no funcionamento dos serviços.
A pressão sobre as autoridades aumenta à medida que a sociedade clama por soluções que garantam o direito à comunicação e ao acesso à informação.
Entretanto, os fornecedores de dados móveis - Vodacom, Movitel e TMcel - reconheceram, numa mensagem de texto enviada aos clientes a 31 de Outubro, que o acesso a algumas redes sociais estava “temporariamente restringido” por razões fora do seu controlo.
Já o Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM) justificou as restrições com o facto de estarem a ser usadas as redes sociais para “publicação de vídeos e mensagens que promovem e encorajam manifestações violentas e outros atos de desobediência e desestabilização social” e que são uma “ameaça à preservação da segurança nacional”.
Para a organização Human Rights Watch (HRW), as restrições à Internet têm provocado “danos significativos à subsistência dos residentes” e têm afectado “gravemente os estudantes, que tinham passado a frequentar aulas online durante os protestos de rua que a polícia reprimiu violentamente”.

Elcídio Bila
Elcídio Bila é jornalista há 10 anos, escrevendo sobre artes e outros assuntos transversais. Tem passagens por dois órgãos de comunicação e diversos projectos de Media. Trabalha também como copywriter e Oficial de Relações Públicas em agências de comunicação. É fundador e director editorial do projecto Entre Aspas.