Chude, a artista entre os Mondlanes: parte, mas a Luta Continua…

A semana acordou assombrosa com a notícia da partida, ao além, de Chude Mondlane, uma artista cujo não lhe faltaram créditos nem méritos. Morreu aos 66 anos, vítima de doença, nas vésperas da festa da independência de Moçambique, uma conquista que teve o seu pai, Eduardo Mondlane, no epicentro da luta, como fundador e primeiro presidente da Frelimo, ou melhor, Frente de Libertação de Moçambique, movimento político contra o regime colonial português.

As redes sociais ficaram fervorosas, típico de notícias dessas, alarmantes. Era “Descanse em paz” por todo o lado, desde os ‘status’ de WhatsApp a ‘posts’ no Facebook. Figuras políticas, como o Presidente da República, a académicos, passando pelos artistas e amigos da família, todos, num só tom, homenagearam a filha de um político que não fez política, preferindo servir a nação através da arte, contrariamente aos seus irmãos.

Nyusi, em mensagem de lamentação a perda de Chude Mondlane, disse que o Governo fez de tudo para apoiar o seu tratamento na África do Sul, mas ela não resistiu. Num dia que o país celebrava os servidores públicos (Dia da Função Pública), aproveitou, em nome de todos os funcionários, manifestar a sua solidariedade a família enlutada e destacou que, sendo ela uma artista, que “as linhas que escreveu na arte não se apaguem.”

Para além do Chefe de Estado, todas as vozes são unânimes em admitir que a morte de Chude Mondlane é uma perda irreparável para a comunidade artística e cultural de Moçambique e não só. E não é para menos, é nas artes que ela se notabilizou e continuou a batalha de seu pai. Chude não quis ser uma voz política, não almejou cargos nem vida de ‘rainha’ ao esforço do Estado, ainda que primogénita do ‘Arquictecto da Unidade Nacional’. Preferiu os palcos e a liberdade que só as artes podem proporcionar, fazendo-se se ecoar através da música e das performances em Moçambique e no mundo.

Armando Guebuza, o ex-Presidente de Moçambique, também não deixou a notícia da morte de Chude quieta no seu Facebook, embora tenha optado por uma frase efémera: “a Luta Continua, descanse em paz Chude Mondlane”. Esta postagem, simples, mas carregada de emoções, fez-se acompanhar por uma foto antiga, a preto-e-branco, ilustrando uma menina à flor da mocidade, de blusa sem mangas e calções curtos, empunhando uma arma de madeira, dando a entender que se tratava da finada, se calhar em Dar es Salaam, na Tanzânia.

Aliás, ‘A Luta Continua’, usado por Guebuza na sua breve homenagem a Chude, é mais do que uma frase de despedida, pois se trata de um termo cunhado por Eduardo Mondlane durante a luta pela independência, como forma de mobilizar as zonas libertadas e sensibilizar as pessoas para o facto de que a luta pela libertação não termina com a independência, mas “requer um compromisso de cada geração de cidadãos conscientes.”

O artista moçambicano Félix Moya, quem privou com Chude Mondlane em Nwadjahane, terra dos Mondlanes, em Gaza, escreveu, na sua rede social, que recebeu a notícia da morte da mana Chude, como a tratava carinhosamente, com um profundo pesar, acrescentando que, neste momento de dor, “vai o meu abraço de conforto a família Mondlane, em especial a sua filha e a mana Nyeleti (Ministra do Género, Criança e Acção Social) ”. Moya termina a sua mensagem dizendo “descanse em paz autora da música ‘Muhalane’, até sempre.”

A Universidade Eduardo Mondlane, em comunicado de pesar, compromete-se em honrar o legado da filha do seu patrono e herói nacional, garantindo que as suas contribuições para a música e para a sociedade moçambicana sejam reconhecidas e preservadas, através dos estudantes de licenciatura em Música da Escola de Comunicação e Artes (ECA), por forma a que as suas obras continuem a inspirar as futuras gerações de fazedores de artes.

Chude viveu entre Moçambique, África do Sul e Estados Unidos de América, ou seja, era uma artista do mundo. E isso se notava no seu jeito singular, que se traduzia de forma indelével pelos palcos, através de vários projectos que abraçou, a destacar Projecto Trânsito (com Chico António, Edmundo Matsielani e Nico M’Sagarra) e Jazz Trio (com Sílvio Ferrão e Edmundo Matsielani), entre colaborações com Matchume Zango, Beauty Sitoe, Elcídes Carlos, Alcídio Pires, Sethy Flautas, entre outros. ‘Espeçarias do coração’, de 2014, The Acoustic Session (EP), de 2019 e ‘Power’, de 2023, são os únicos registos discográficos da cantora.

Uma das curiosidades à volta da vida artística de Chude Mondlane é o facto de ela ter cantado a música da primeira publicidade de telefonia móvel em Moçambique, Mcel, na altura. Trata-se de uma produção de 1997, realizada pela Agência Golo. Falando em publicidade, note-se que nos últimos anos Chude se tinha inclinado ao universo da Comunicação e Marketing, através da sua empresa Nkateko Produções.

Jennifer Chude Mondlane, seu nome de baptismo, era cantora, produtora, promotora musical, oficial de marketing e activista social, formada em Antropologia e Estudos Culturais Africanos. Estudou, ainda, dança moderna, música e ballet clássico, entre as mulheres escolas nos Estados Unidos de América e União Soviética. Chude nunca escondeu que a sua paixão eram a cultura e as artes, por isso decidiu fazer disso a sua carreira e, através da sua empresa fez um trabalho de apresentação e promoção das vozes femininas moçambicanas nas plataformas digitais.

Para além de ecoar em Moçambique, Chude Mondlane teve uma carreira que não passou despercebida nos Estados Unidos de América, em Nova York, precisamente, onde, nos anos 1980, actuava em clubes nocturnos e estudava durante o dia. Nessa altura, ela já gravava, como voz secundária, para artistas como Marcus Miller e Abdullah Ibrahim, para além de ter trabalhado no estúdio do produtor e sintetizador norte-americano Jason Miles.

Em termos de honras e prémios, Chude Mondlane foi agraciado com o Grande Prémio – Festival Internacional de Música da Coreia (1980); Prémio Prata – Festival Internacional de Música de Tóquio, Japão (1981); Artista do Ano – Rádio Moçambique (1999) e Figura Cultural do Ano – Rádio Moçambique (2016).

Chude Mondlane é filha mais velha de Eduardo Mondlane e a americana Janet Mondlane, e tem como irmãos Nyeleti Mondlane e Eduardo Chivambo Mondlane Júnior.

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Elcídio Bila

Elcídio Bila é jornalista há 10 anos, escrevendo sobre artes e outros assuntos transversais. Tem passagens por dois órgãos de comunicação e diversos projectos de Media. Trabalha também como copywriter e Oficial de Relações Públicas em agências de comunicação. É fundador e director editorial da Entre Aspas.

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