Crónica de viagem II: A corrida pelo trem na Estação Central de Milão (e outras febres)

Depois de um olhar ameaçador ao meu passaporte, o homem da migração italiana autorizou a minha entrada ao país. Alessandro Caspoli, Cliff Fahardine, pai e mãe de Valentina Gianni estavam já despachados, do outro lado da ‘fronteira’, apreensivos, julgo. Quando escapei daquela varredura ao meu passaporte (imagine-se se fosse o amarrotado) os quatro pularam de alegria. Só faltava me abraçarem e beijarem como se não tivessem comigo viajado.

Depois daquela tensão, descemos em um elevador. Uma coisa enorme, capaz de suportar 3.500kg, onde era possível entrarmos com todas as nossas bagagens. O elevador levava-nos para o comboio, onde Alessandro comprou-nos duas passagens para cada um: uma para a Estação Central de Milão e outra para a Estação Central de Bolonha, nosso destino final.

O coitado, que devia tomar outro rumo, levou tempo mais do que necessário a nos explicar como tudo iria funcionar sem ele: a aceitação dos bilhetes, o vagão a ocupar, o número do assento e outras recomendações de praxe. Lá fomos, acreditando ter percebido como tudo funcionaria. Descemos, eu e Cliff, pela escada rolante e juntamo-nos a outros que tinham as mesmas pretensões que as nossas: chegar a Estação Central de Milão.

Aliás, éramos três, juntamente com um rapaz que só falava italiano, negro, que nos importunava, mesmo repetindo que não entendíamos a sua língua. Ele dava ligeiros intervalos e, depois, atrevia-se a conversa desnecessária e intolerante. Para o meu azar, o rapaz, meio desmazelado, preferiu sentar-se ao meu lado, tornando a viagem desgastante.

Mas antes de apanharmos o trem para a Estação Central de Milão a nossa cabeça ferveu com a tentativa de ler os bilhetes no sistema do trem que não dava em nada. Entrou em cena um nigeriano, uma moça italiana e um senhor sei lá de onde. Deu em nada. Então, uma voz tranquilizou-nos, dizendo que o sistema falhara, mas teríamos a nossa viagem garantida.

Ficámos ali a conversar com o nigeriano, aguardando pelas nove e cinquenta e oito, a nossa hora de partida. E cumpriu-se, rigorosamente. O trem estava a nossa frente à hora marcada, sem nenhum segundo a mais. Entramos cheios de pressa. Vai que aquele motor arranca antes de partirmos. E logo nos aconchegamos. Para além do homem perturbador, ao meu lado, a minha frente estavam duas meninas. Uff, que alívio! Foi a visão que me ajudou a digerir a viagem.

Chegamos na Estação Central de Milão e começou a grande corrida para o trem. Afinal, não estávamos num local qualquer, é uma das maiores e mais impressionantes estações da Europa. Possui uma mistura de estilos arquitectónicos inspirada pelo modernismo no princípio do século XX, para além de uma mistura de estilos, entre os quais se destacam especialmente o ‘Art Nouveau’ e o ‘Art Decó’.

O nigeriano, olhando para os nossos nervos levantados, não nos desgrudou. Até ajudou a encontrar o comboio. Faltavam dois minutos ou menos. Nossos corpos, um pouco resistentes a corridas, tentaram imprimir tração nos pés, mesmo sem areal, e puseram-se a correr. Contávamos os vagões em voz alta: um, dois, três, quatro, quatro A, quatro B e, finalmente, cinco. Caímos lá dentro como que empurrados. Eu ia para um assento chamado A23. Coloquei os olhos uma data de vezes no bilhete e confrontei com os espaços disponíveis. O meu lugar estava livre, como previsto, apenas uma pasta importunadora de um responsável pelas StartUps na Universidade de Luigi Bocconi, em Milão. Chama-se Ludovico Dejak o homem, educado e simpático, típico de pessoas estudadas. Desceu connosco na Estação Central de Bolonha, antes de nos segredar que naquela sexta-feira era o Dia de StartUp na sua universidade. Se não fosse o maldito cansaço teríamos participado do evento. Mas a última vez que o vimos foi no ponto de Táxi. E foi a sua vida, nós também. Nós íamos a UnAngoloDiBologna, na Via Triachini, nº. 8, donde vos sai esta crónica, ao ritmo de ‘Free this feeling’, de Spring Gang.

Chegamos às doze, depois de entrar às doze do dia anterior no Aeroporto Internacional de Mavalene, acompanhado, eu, da Líria e Elton, meu fiel ‘ajudante de campo’. Ou seja, cumprimos vinte e quatro horas de viagem, misturado com a escala em Doha, Qatar

Termino este texto contando uma coisa bastante curiosa. Aqui na UnAngoloDiBologna, uma casa de hóspedes, não tem recepcionista e desde que aqui estamos só cruzamos com uma menina. É um local bastante interessante, com um revestimento tecnológico magnífico, mas com alguns ares fantasmagóricos. Accionamos um código para ter acesso à chave do portão principal, uma madeira alta que nos lembra o passado colonial. Seguimos as escadas até ao primeiro andar e paramos na porta cinco, onde tivemos que accionar o segundo código e a porta abriu-se automaticamente, para a nossa surpresa, pois não tínhamos todos estes detalhes esclarecidos.

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Elcídio Bila

Elcídio Bila é jornalista há 10 anos, escrevendo sobre artes e outros assuntos transversais. Tem passagens por dois órgãos de comunicação e diversos projectos de Media. Trabalha também como copywriter e Oficial de Relações Públicas em agências de comunicação. É fundador e director editorial da Entre Aspas.

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