Emílio Cossa

Numa altura em que as celebrações do Dia de África, ocorrido em 25 de maio último, ainda ecoam em nossas mentes, é oportuno abordarmos um tema que tem ganhado destaque quando se trata das artes e culturas do continente negro: o Afrofuturismo. Cunhado por Mark Dery em 1993 e explorado no final da década de 1990 por meio de conversas lideradas pela estudiosa Alondra Nelson, esse novo conceito tem se expandido exponencialmente na última década, atingindo seu auge com o lançamento do filme de super-heróis da Marvel “Black Panther” em 2018. O Afrofuturismo combina elementos da ficção científica, cultura afrodescendente e tradições africanas, e tem sido incorporado e explorado em diversas formas de expressão artística em Moçambique, desde música, literatura, moda, artes plásticas, design e até ilustração.

No contexto desse movimento cultural e artístico que visa imaginar futuros alternativos e reafirmar a identidade negra, o Afrofuturismo tem encontrado destaque mundial. Em Moçambique, esse fenômeno tem sido incorporado e explorado de maneiras variadas, impulsionando a criatividade e a expressão artística do país.

Um exemplo notável ocorreu durante a 10ª Edição do Festival AZGO, realizado nos dias 19, 20 e 21 de maio, na cidade de Maputo. A curadoria do referido festival, que tradicionalmente reúne artistas, fornecedores de bens e serviços culturais, gestores, produtores e, acima de tudo, o público diversificado, encontrou no “Afrofuturismo” uma forma inovadora de cativar os participantes. Durante o festival, os espectadores foram convidados a imaginar a África e os africanos do futuro através de trajes futuristas. O festival premiou o melhor traje afrofuturista, atribuindo ao estilista Valter Mudanisse um prêmio no valor de cinquenta mil meticais. Mudanisse expressou sua inspiração, falando à imprensa: “Tentei imaginar a mim mesmo e os africanos de modo geral nos próximos 50/90 anos. Contudo, criei a partir da tradição e da riqueza cultural que nos caracterizam como povo”. O ambiente principal do AZGO transformou-se, por esta via, num lugar do futuro, onde convergiram diversas tendências da moda, com roupas ousadas e estilos fora do comum.

Nesta abordagem, mergulharemos na rica diversidade artística de Moçambique para avaliarmos como o Afrofuturismo tem sido incorporado e explorado nas expressões musicais, literárias, na moda, nas artes plásticas, no design e na ilustração do país. Desde esculturas futuristas até contos especulativos, vamos descobrir como o Afrofuturismo está moldando o panorama artístico moçambicano. Conversaremos com alguns artistas para entender como eles pessoalmente lidam com esse fenômeno artístico-cultural.

Música

A música é uma linguagem universal que transcende fronteiras e conecta pessoas em todo o mundo. Em Moçambique, uma nova geração de artistas está emergindo, levando consigo a riqueza da herança musical do passado e projetando-a para o futuro. Esses artistas, como Nandele Maguni, Ash Ismael, Fu da Siderurgia, Ntsua, TRKZ, May Mbira, Lenna Bahule, Milton Gulli e Selma Uamusse, desempenham um papel fundamental na evolução da música moçambicana.

O afrofuturismo na música moçambicana encontra suas raízes no trabalho revolucionário de Chico António e seu grupo Amoya (nome pelo qual o Grupo RM foi rebatizado com o intuito de internacionalizá-lo. Em 1991, o lançamento do álbum “Cineta” marcou o surgimento desse protótipo inicial do afrofuturismo em Moçambique. O disco “Cineta” foi um marco importante na história da música moçambicana, trazendo à tona a conexão entre o passado e o futuro e abrindo caminho para a nova geração de artistas que viria a seguir.

Nandele Maguni, por exemplo, é um talento proeminente da música moçambicana, com uma abordagem inovadora que se enquadra perfeitamente ao conceito do afrofuturismo. Ele desafia as barreiras musicais, trazendo uma sonoridade alternativa ao mercado. O seu envolvimento em projectos musicais progressivos em Maputo destaca sua versatilidade.

Ash Ismael é outro artista que abre caminho para o afrofuturismo em Moçambique. Além de músico e compositor talentoso, ele é um artista visual versátil, criando as suas próprias capas de álbuns e obras de arte relacionadas à música. Sua habilidade de trabalhar com diferentes estilos e géneros musicais mostra sua abordagem inovadora e experimental.

Fu da Siderurgia, como beatmaker, sound designer e live performer, está deixando sua marca no afrofuturismo musical. Sua música é uma fusão de influências tradicionais e contemporâneas, trazendo uma nova energia para a cena musical moçambicana. Ele representa uma nova onda de artistas que exploram a interseção entre o passado e o futuro, incorporando a herança musical moçambicana em um contexto contemporâneo. Sobre a influência do afrofuturismo no seu processo criativo, o artista diz que “O meu processo utiliza ferramentas tecnológicas para expressar o que SERÁ a música africana no ano 4000, por exemplo, quando os africanos poderão ter conquistado novos planetas para criar uma África que não terá sofrido inibições culturais”.

Ntsua, também conhecido como Obus da Mata, é um rapper moçambicano e activista social que está retornando às suas raízes africanas. Ntsua utiliza a sua música como forma de expressar pontos de vista e transmitir mensagens significativas, mostrando-se um artista engajado na transformação social por meio da arte. Ntsua centra a sua criatividade em elementos africanos pois acredita que “O futuro do mundo está em África. Todas as grandes transformações que forem a acontecer no mundo terão África como epicentro, seja pela a infância de recursos naturais, ou pela diversidade cultural”.

TRKZ traz uma fusão única de estilos musicais, combinando elementos da música electrónica, hip-hop e música tradicional moçambicana. Com as suas batidas pulsantes e letras inspiradoras, TRKZ está criando um som distintivo que ressoa com uma nova geração de ouvintes.

May Mbira incorpora o espírito do afrofuturismo através de seu domínio da mbira, um instrumento tradicional africano. A sua música combina tradição e experimentação, transportando os ouvintes para uma dimensão sonora única.

Lenna Bahule é uma cantora e compositora moçambicana que redefiniu a música afro-jazz do país. Com influências do jazz, do afrofuturismo e da música tradicional moçambicana, ela cria um som sofisticado e contemporâneo.

Milton Gulli é um multi-instrumentista, cantor e compositor que mescla diferentes géneros musicais, resultando em uma sonoridade inovadora e cativante. As suas letras abordam temas sociais e políticos, transmitindo uma mensagem de consciencialização e empoderamento.

Selma Uamusse é uma cantora e compositora que combina a energia do rock com as raízes moçambicanas, criando uma mistura única de estilos musicais. A sua voz poderosa e cativante transmite emoção e paixão em cada nota, abordando questões de identidade, pertença e luta pela igualdade.

Literatura

Na literatura, Virgília Ferrão é uma autora moçambicana que olha para o Afrofuturismo como uma arte voltada para a ciência e a inovação africanas. Embora não trabalhe especificamente no gênero da ficção especulativa, ela vê o Afrofuturismo como uma forma de reposicionar as narrativas africanas, destacando protagonistas negros que buscam inovação, desenvolvimento e tecnologia, desafiando rótulos e estereótipos. Ela organizou a antologia “Espíritos Quânticos - Uma jornada por entre histórias de África em Ficção Especulativa”, que explora a ficção especulativa. Para esta autora, ao conceber a referida antologia “A motivação era exatamente poder explorar o gênero da ficção especulativa, incluindo o afrofuturismo, produzido em África e na língua portuguesa. Também tinha o desejo particular de estabelecer um diálogo entre vozes de escritores de diferentes gerações e países. Foi um trabalho desafiador e interessante, inclusive para constatar como essa temática tem sido vista em nosso país, por exemplo. Acredito que é uma área com muito a ser explorado, sendo o afrofuturismo, com certeza, um dos gêneros que gostaria de ver mais desenvolvido em nossa literatura.”

Artes Plásticas

Nas artes plásticas, o artista Mudungaze utiliza o Afrofuturismo como uma forma de interagir entre os valores tradicionais e os fatores globais, desmembrando a ideia ocidental de arte africana estática e previsível. Suas máscaras tribais africanas são confeccionadas com materiais urbanos e não convencionais, misturando técnicas tradicionais com uma estética contemporânea. Ele se considera um artista afrofuturista, pois acredita que o Afrofuturismo é uma forma de revelar a capacidade artística da cultura africana, rompendo com estereótipos e explorando novas narrativas visuais. Suas obras frequentemente retratam figuras humanas combinadas com elementos futuristas, incorporando tecnologia, simbolismo e mitologia africana.

Sobre a afrofuturismo nas artes Mudungaze afirma que “No mundo globalizado, as técnicas vão se misturando e a diferença estética visual entre o que é feito por artistas de várias partes do mundo está se tornando cada vez menor. No entanto, acredito que o assunto pode ser mais aprofundado se olharmos para trás e reconhecermos que grandes mestres como Picasso e Matisse se inspiraram várias vezes na arte africana. Devemos saber que a técnica do cubismo de Picasso é especialmente inspirada nas máscaras tribais africanas. O afrofuturismo não se trata apenas de reivindicar espaço, mas, na minha opinião, de desvendar o véu que foi colocado para ocultar a capacidade artística da cultura africana.”

Moda

No campo da moda, o Afrofuturismo também tem ganhado destaque. Designers como o já mencionado Valter Mudanisse têm usado o Afrofuturismo como uma plataforma para reimaginar a moda africana e criar peças únicas que celebram a identidade africana de maneira contemporânea. Eles mesclam técnicas tradicionais de tecelagem, estamparia e costura com elementos futuristas, resultando em coleções que desafiam as convenções e oferecem uma perspectiva alternativa da moda africana.

Design

Na área do design, o Afrofuturismo é uma abordagem que combina elementos da cultura africana, estética futurista e expressão artística, buscando reinterpretar o passado, refletir sobre o presente e imaginar um futuro afrocentrado e progressista. Essa perspectiva única promove a representatividade e valorização das narrativas afrodescendentes, estimulando a criatividade e inovação no campo do design. Artistas como Alberto Correia (Adecoal) e Vasco Daniel Mahumane incorporam o Afrofuturismo em suas criações, trazendo elementos da tradição africana para criar uma visão alternativa e proativa.

Para Alberto Correia, alias Adecoal, ilustrador designer, artista plástico, professor de artes e empreendedorismo desde 2013, o “Afrofuturismo é uma forma de perspectivar a África através do tempo, transformando vivências em meios de comunicação por meio da arte e do design”. Ele busca inspiração na cultura dos povos africanos remotos, mesclando elementos da tradição, da classe e do contemporâneo para criar um mundo novo, com liberdade intelectual e conceitual.

Vasco Daniel Mahumane, professor de Educação Visual, artista visual e empreendedor, por seu turno, vê o Afrofuturismo como “o posicionamento e manifesto do africano proativo no mundo das artes, uma forma de expressar sua visão descontruída em relação aos padrões ocidentais”. Ele se identifica como afrofuturista, pois acredita que suas acções e criações no presente moldarão o futuro.

Ilustração

Na ilustração e produção de banda desenhada, o Afrofuturismo tem encontrado expressão por meio de artistas como Hélio Januário e Hélton Félix em Moçambique. Esses artistas utilizam a ilustração como uma forma de explorar questões sociais, políticas e históricas, ao mesmo tempo em que incorporam elementos futuristas em seus trabalhos. Suas ilustrações retratam um Moçambique reimaginado, combinando elementos tradicionais com uma visão para o futuro e oferecendo uma perspectiva única sobre a identidade e experiência moçambicana.

Hélio Januário vê o Afrofuturismo como um “movimento ou conceito que busca repensar elementos e símbolos africanos em um hipotético futuro, adaptando-os para o contexto contemporâneo”. Ele se considera mais afroretrofuturista, preferindo focar no debate do presente. Sua abordagem artística utiliza o sarcasmo, a ironia e o humor para refletir de forma satírica sobre diversas problemáticas relevantes no contexto moçambicano. Através do projeto "Os Informais", uma banda desenhada ficcional futurista, Hélio busca despertar o interesse pela leitura e dar voz ao setor informal, utilizando a narrativa como uma forma de expressão e crítica social.

Por outro lado, Hélton Félix considera o Afrofuturismo como “uma visão espiritualmente evoluída, que permite explorar a vida em simbiose com a tecnologia, fundamentada na cosmovisão africana”. Ele se identifica como afrofuturista e busca “uma perspectiva macrocósmica que vai além da dimensão física, explorando os elementos que representam a espiritualidade africana”. A sua especialização em ilustrações, banda desenhada, arte conceitual, jogos e grafite reflete sua paixão por explorar a fusão entre elementos africanos e tecnologia, criando uma visão futurista enraizada em sua herança cultural.

Conclusão

Os artistas moçambicanos que exploram o Afrofuturismo estão desempenhando um papel fundamental na redefinição da identidade artística em Moçambique. Ao incorporarem elementos do passado e projetá-los para o futuro, estão abrindo novos horizontes artístico-culturais e ampliando os limites da expressão criativa. O Afrofuturismo presente nas diferentes formas de arte em Moçambique, como música, literatura, moda, artes plásticas, design e ilustração, permite resgatar tradições e heranças culturais, impulsionando a criatividade, a inovação e a expressão artística.

Esses artistas são pioneiros em explorar as potencialidades do Afrofuturismo no contexto moçambicano, oferecendo perspectivas únicas e provocativas sobre a identidade moçambicana e seu papel no futuro. Suas obras inspiram uma nova geração de talentos e encorajam outros artistas a explorar suas raízes culturais e integrá-las com elementos futuristas. Ao unir o passado e o futuro, eles estão construindo um futuro cultural inclusivo e diversificado, onde a expressão criativa encontra espaço para florescer.

A importância desses artistas para o futuro da cultura moçambicana é inestimável. Eles estão abrindo portas para novas possibilidades artísticas, incentivando o diálogo intercultural e promovendo uma visão de Moçambique que valoriza a diversidade e celebra as raízes culturais. Ao reimaginar o passado, reinventar o presente e construir um futuro rico e inclusivo, eles estão deixando um legado duradouro que moldará a cultura moçambicana nas décadas seguintes.

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