Algures, numa das províncias deste extenso Moçambique, localiza-se o badalado bairro de Matundo, que de braços abertos trouxe ao mundo uma donzela sorridente chamada Gorete.
Luminosos raios cruzaram os céus da cidade para celebrar o surgimento daquela dádiva, o nascimento da “rainha” que um dia seria diva. Com os seus olhos azuis, pernas torneadas qual um pilão, Gorete era para todo o rapaz, uma benção. De gingado inocente e único, semblante alegre, Gorete era para todo o rapaz, um milagre. Se tivesse que expressar a sua beleza com palavras, essas teriam que cair do céu, pena que sua tamanha beleza estava subjugada à miséria, ao sofrimento, à pobreza…
Gorete não estudou além da quarta classe, e quando menos esperava que engravidasse, ela engravidou de um jovem irreverente, que quase sempre vivia possuído pela aguardente.
Diz-se que ela se sentia abandonada; diz-se também que o seu primeiríssimo amor, cedo aventurou para a cidade capital Maputo, como estudante bolseiro.
Corpo cobiçado, olhar ingénuo e seu andar provocante não resistiram à tentação! Pobre Gorete, caiu nas malhas do viciado jovem, e “casou” prematuramente…
Seu brilho de outrora foi cedendo às marcas do tempo, a ex-donzela, a bela de olhos azuis, pernas torneadas, vivia agora o seu maior pesadelo. Como que a lutar contra o tempo, Gorete era assídua nas maternidades, tinha as suas mãos atadas para tocar a vida para frente ou mesmo para concretizar os seus sonhos de donzela. Foram apenas lhe pedir a mão, mas nunca casou oficialmente. Pagaram alguns tostões, como se comprassem pequena parcela de qualquer coisa insignificante, qualquer coisa inexistente.
Com três filhos por cuidar, Gorete prematuramente enviuveceu. Amargurada, à deriva ela ficou; o jovem irreverente do nada faleceu, Gorete voltou no tempo e lembrou então do primeiro amor que conheceu: aquele rapaz estudante que ela mal soube ficar à espera, o primeiro amor daquela donzela era agora formado. Com coragem, ele trilhou outros caminhos para mais portas abrir na vida, criou estável família, construiu belo lar, ele estava bem casado, criou inclusive, sólidas bases para ser feliz, enfim, a vida do rapaz estava organizada na companhia de outra mulher.
Mas quando aquelas duas almas, aquelas duas paixões antigas reencontraram-se, de lado deixaram suas angústias, e Gorete de tudo fazia para esquecer o compromisso do seu primeiro amor com outra pessoa.
Entre longínquas memórias e recordações do seu romance de infância e adolescência, mais uma vez, eles apertaram-se longamente, e Gorete palavreou trocando carícias:
“Você me abandonaste porquê, você estavas aonde? Eu andei a tua precura.
Esse anel aí no teu dedo é de casamento? Minha rivala assim está aonde?
Essa minha rivala é bonita como a mim? É clara ou é escura?
Assim estás calar porquê? Estou falar contigo, responde!”
Aquele monólogo desenfreado começava a tomar outros contornos. Gorete tinha perdido a cabeça ao lembrar todo sofrimento por que passara. Sua trajectória de vida escalara poucos paraísos e muitos infernos. Gorete culpou o pobre rapaz (ex-bolseiro) pelas manchas que lhe envelheceram a cara:
“Mostra foto de minha rivala, quero ver bem cara dela.
Hi hi hi mai uuéé, é essa aqui nessa foto? Tem cara parecer machibombo!
Olha tranças dela, olha testa dela, olha só essas bochechas dela...
Até era mais melhor você casares a mim do que ela…”
Sem direito a resposta, o rapaz engoliu à seco aquelas (in)verdades. Entreolharam-se mais uma vez, apenas eles e o silêncio, já nada havia a dizer. Suas bocas tocaram-se, suas vozes se calaram para dar lugar ao prazer. O sol escaldante despediu-se, seus corpos satisfizeram suas vontades.
Era como a realização de um sonho há muito guardado num e no outro, separados pela distância, mas sempre presentes um ao lado doutro. Era sentimento que jamais teria fim, passassem dias, meses ou anos. Era amor de duas pessoas que decidiram atravessar violentos rios ou oceanos.
Nove meses depois, Gorete mais uma vez deu entrada na maternidade. Ela tinha engravidado novamente. Feliz, deu à luz um lindo menino o qual seu primeiro amor, sem hesitar, aceitou a paternidade. Para eles, a vinda daquele menino ao mundo era facto divino. Os dois pais babados, unidos, abraçaram esse novo desafio. Com carinho, ampararam o menino para que nada lhe faltasse. Os dois eram, em tudo, coniventes, eram ambos do mesmo feitio. Seus olhares eram cúmplices, comunicavam-se, sem que nenhum deles falasse.
O menino era fruto de amor sincero, amor verdadeiro. O menino era luz, era caminho na vida daqueles felizes progenitores. Seu nascimento proporcionou alegria, fez esquecer decepções anteriores. Os dois sentiam-se como animais saídos do mesmo cativeiro. Com a maternidade, Gorete ficou franzina, por alguns meses, mas sua beleza permaneceu intacta, parecia ainda aquela menina de outrora, pois, aos vinte e sete, Gorete ainda parecia ter seus dezessete.
Apesar da idade, Gorete voltou a estudar, concluiu o secundário e pensa ingressar na universidade, pois ela sabe que não há limite para o que ela, como mulher, pode conquistar.
Ela sonha também, em prosperar num negócio qualquer, sonha ser, no futuro, uma mulher autónoma, uma mulher empoderada; ela quer ser dona das suas escolhas, tal como as outras. Mas acima de tudo, Gorete sonha ser, para o resto da sua vida, uma esposa exemplar ao lado de um marido forte, pois ela sabe que homens “fracos” não conquistam mulheres fortes.
Gorete não é apenas um corpo perfeito, ela é sim, mais um exemplo de mulher moçambicana subjugada às turbulências e quedas desta vida. Tal como Gorete, tantas são as mulheres moçambicanas que sabem se reerguer e sabem mostrar a sua infinita utilidade em diferentes esferas, pois ela é mãe, irmã, esposa, avô e amiga. Mulher é a força motriz que o mundo precisa ter.
Samuel Benjamim
Samuel Benjamim, desde adolescente gostou de escrever poesias e prosas, para além de cantar e tocar instrumentos musicais. Gostou também de praticar desporto, em especial o futebol, tendo representado uma das equipas da cidade de Tete, em escalões mais jovens. Cedo emigrou às Caraíbas onde permaneceu pares de anos. De volta a pátria, estudou Economia Laboral e Industrial, e, posteriormente, Administração de Recursos Humanos. A prematura exposição profissional levou-o ao complexo, infinito e gigante ramo da indústria pesada. Conta, com duas obras literárias lançadas no mercado nacional, nomeadamente: (Tr)ilha de (T)rimas (Tr)inchadas Vol.1 e Litera(cul)turando Vol. 1.