Após o sucesso na pré-estreia, exibida no Cine-Teatro Tofo, cidade de Inhambane, ‘Kutchinga’ estreia na cidade de Maputo. O novo documentário do cineasta Sol de Carvalho vai ser exibido na próxima quinta-feira (7), às 18h00, no Cine-Teatro Scala, seguida de uma conversa com o realizador.
O filme versa sobre a problemática do ritual ‘‘Kutchinga’’ praticado na região sul do país, muitas vezes direccionado às mulheres, em que as viúvas são obrigadas a manter relações sexuais com um familiar ou alguém contactado para se “purificar” cujo objectivo é a reintegração na comunidade.
Uma das alegações trazidas em torno deste docu-drama é que o ritual sirva para manter a “herança” do falecido na família, pois as tradições do casamento indicam que a mulher que se casa “fica pertença da família do homem”, e há que saber se os bens adquiridos pelo casal se manterão na propriedade da família dele. Essa é a função de um ritual que continua difundido e que assume actualmente formas variadas como a contratação de gigolôs para o desempenho da função.
O documentário de longa-metragem é construído a partir de relatos pessoais de cinco mulheres e dois homens que participaram naquela cerimónia, filmada em dois bairros periféricos da cidade de Inhambane.
O realizador do filme, Sol de Carvalho, é conhecido por abordar temas de igualdade de género na sua longa trajectória cinematográfica, e ressalta a importância de acções como a produção de filmes para o debate de político relacionado com o género.
“É muito fácil condenar o ritual como um acto degradante para a mulher. Para mim e para a equipa foi uma surpresa perceber que, por muito que se façam declarações de condenação, o ‘Kutchinga’ continua a ser amplamente praticado e muitas vezes respeitado como acto essencial de alguém que ficou viúva (o)”, assume de Carvalho, acrescentando que “no caso de Inhambane, apesar de alguns receios nossos sobre a divulgação dos detalhes sexuais da cerimónia, quando passamos o filme lá, as mulheres/personagens até se queixaram que eu tinha deixado algumas partes de fora, algo que fiz apenas por motivos de montagem e do tempo do filme.”
De acordo com o realizador, foi impressionante como todos os intervenientes e, também os espectadores, falaram com grande tranquilidade sobre ao assunto. Mas, realça, depois, percebe-se que entre as elites, parece haver ‘um discurso do dia e um discurso da noite’ – como dizia uma socióloga moçambicana sobre as tradições no país. E talvez por isso, na verdade, a situação pela igualdade da mulher não avance tanto quanto seria desejável.
“Para mim, no caso do ‘Kutchinga’, não basta condenar o acto ... e quem nos dá o direito e impedir uma mulher de o fazer se, para ela, essa é a única solução de assegurar a sua vida futura e a dos filhos? O que me parece é que para eliminar uma prática de uso de corpo por razões meramente economicistas, é preciso, antes do mais, criar condições para que essas mulheres possam dizer “não!”. Só assim elas podem assumir o seu destino. Esse é debate necessário”.
Para o realizador moçambicano, a data escolhida para estreia do filme, mês da mulher, “é mesmo para aproveitar esta ocasião para reflectir sobre o papel e a importância das mulheres na sociedade e os constrangimentos à sua total emancipação, apesar de ser obrigação de todos valorizar e respeitar as mulheres não apenas em datas especiais, mas em todos os dias do ano’’.
‘Kutchinga’ já estreou em dois festivais internacionais, nomeadamente, Festival do Barreiro, em Portugal, e no 11.º Festival de Cinema Negro, em Toronto. O documentário foi também nomeado à 26.ª edição do Religion Today Film Festival e à 6.ª edição do Kaduna International Film Festival – KADIFF, na Nigéria.