Matola Jazz Festival: Moreira Chonguiça e uma performance para lá de surreal

Quando Jimmy Dludlu saiu do palco do Matola Jazz Festival a maioria recolheu junto, acreditando ser o fim do evento. Era notório o movimento para fora do recinto do Conselho Municipal da Matola. Como se Izidine Faquirá e Jaime Mirandolino, os MC’s, os tivesse expulsado. Um cenário trágico, deveras inquietante, para não dizer assombroso. Tanto os do VIP – que era suposto terem um comportamento mais cauteloso – bem como os que estavam lá em baixo, foram embora... sem olhar para trás.

Os que acreditaram que o festival ainda não tinha terminado, incluindo o Presidente do Município, estavam ali à espera de Moreira Chonguiça, o último artista da saga do jazz que retornou à Matola uma década e meia depois. Aliás, Calisto Cossa não só permaneceu ali, como também aproximou a cadeira o máximo que pôde. Mais do que aquilo seria fatal para o edil. Era como se tivesse vaticinado um grande espectáculo. E não é que foi!?

Moreira, sem se intimidar com um público minúsculo, levou toda a sua energia para o saxofone, soprou do coração e fez um show para lá de surreal, para não dizer magnífico ou deslumbrante; e com um tom fora do que as performances de jazz, um pouco por toda a parte, têm nos acostumado.

É certo que era tarde, ou melhor, manhã. Muitos estavam cansados: de música e de outras substâncias. Mas quando os sopros do “Sounds of Peace” passearam a sua classe, até os moribundos despertaram, e sentia-se uma corrente vivaz e destemida pelos olhos e ouvidos dos presentes. Uma aura mágica tocou o peito de cada um que decidiu aguentar-se um pouco mais.

As senhoras dos bares já estavam a arrumar os tambores, os das carnes recolhiam os seus fritos, mas, de repente, gente voltou a lotar os pedidos. As senhoras resistiram ao tormento do frio: negócio é negócio! Era preciso um pouco mais de líquidos para digerir aquilo que Moreira nos sugeria, numa envolvente atmosfera que levou ao público ao puro delírio. Os que não estavam - que se cansaram da noite ou que acreditaram que Jimmy tinha encerrado a festa – não faziam falta. Era vibrante a sonoridade vinda do palco que ampliou os gritos e assobios. Os que arriscavam um cochilo ou definhavam com a força da cacimba ficaram mais atentos e, de certeza, agradeceram o facto dos seus pés não lhes ter empurrado para fora do recinto antes da hora.

Era como se o festival estivesse a começar, com o respeito devido às bandas que tinham tocado desde às 16h00. Era um novo começo. Sei lá, um novo festival. E era, pois! Aquela actuação não pertencia àquele festival. Já estávamos na quarta edição (em 2080!, risos). Sim, tratava-se de uma performance desenquadrada para aquele festival. Não é à toa que ficou para o fim. Todos perguntavam-se, hilariados: “Moreira depois de Jimmy?” São inocentes. Não anteviam o que vinha. Perdoai, Senhor! Aquilo não podia estar no meio. Não podia: seria uma injustiça imperdoável. Foi uma dose muito pesada. Muitas toneladas de talento. Um vulcão em forma de performance.

Uma infinidade de perfeição. A êxtase tomou-nos a todos: até os mais prudentes soltaram suas loucuras. Aplausos quentes numa manhã gelada. Uma delirante e misteriosa (des)ordem musical. Já que estávamos em Cabo Delgado, com aquelas vozes femininas, é justo chamarmos aquilo de terrorismo musical para os que fugiram, mas para nós os resistentes é um grito de paz, um fenómeno suave que nos entrou nas veias como um sangue purificado, e a manhã chegou-nos como uma bênção divina com aqueles toques vibrantes.

Moreira não só se mostrou respeitoso com o festival, ao preparar uma performance incomum, como também não deixou os seus créditos de gentleman em maus alheias, tendo oferecido, a cada uma das participantes, buquês de rosas, mesmo para continuar a deixar as suas vozes perfumadas.

Foram cinco buquês, no total, que Moreira, no fim de cada actuação, ia buscar no seu jardim invisível e brindava as suas divas: Alena Bravo, Pureza Uafino, Onésia Muholove, Carlota José João e Raquel Akungondo. Bem que mereceram. Foram estrondosas: vozes suaves, vozes harmoniosas, vozes aprazíveis.

Ainda que não tenham descido do palco com rosas, o Grupo Xindiro deitou os seus 11 bailarinos no palco e fez uma fabulosa participação, dando um ar diferente aos sopros do Moreira e, através da dança tradicional, reduzindo o charme em que o jazz vive submerso.

Hélder Gonzaga, no baixo, Vando Infante, na bateria, Roberto Chitsondzo Jr, na guitarra, Alcídio Mathavel, na percussão, e Nicolau Cauaneque, nos teclados, também foram fabulosos, emprestando a magia ao exorcismo que se viveu nos últimos instantes do Matola Jazz Festival.

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Elcídio Bila

Elcídio Bila é jornalista há (quase) 10 anos, escrevendo sobre arte e outros assuntos transversais. Tem passagens por dois órgãos de comunicação e diversos projectos de media. Trabalha também como copywriter em agências de comunicação. É fundador e director editorial da Entre Aspas.

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