Samuel Benjamim

Na minha terra Moçambique, há um fenómeno que conquistou espaço e aproximou diferentes gerações. Outrora visto apenas como cultura de rua praticada por meninos "indisciplinados", hoje, os tais meninos indisciplinados de outrora transformaram-se em verdadeiros mensageiros da palavra por via de barras que são dropadas por entre linhas da famosa estrofe em versos.

Este fenómeno, também conhecido como rompimento ou batalha de rimas, é uma espécie de duelo entre Mc’s, com finalidade de demonstrar a sua capacidade criativa e a habilidade que os gladiadores têm para brincar com rimas “improvisadas”.

O rompimento tornou-se num espaço de aprendizagem para gente que se identifica com a poesia, a música, a literatura e a arte no geral. O rompimento ou batalha de rimas, começou como frenéticas ‘guerras’ de squads rivais em vários bairros. Mais tarde, invadiram ruas, garagens, avenidas e parques de diversão; posteriormente, subiram a palcos e terraços.

Parte-loiça é um jovem guarda-nocturno, residente num dos bairros periféricos da cidade; ele nasceu naquele bairro, de lá nunca saiu para viver em outro sítio, e por isso, todo o pessoal do bairro o conhece e reconhece o seu bom comportamento, a sua vontade de ganhar a vida de forma justa, isto é, trabalhando.

Nos tempos livres, na calada da noite e madrugadas, quando os larápios decidem dar-lhe descanso, ele rabisca alguns versos de intervenção social e ostentação pessoal, apesar de alguns erros ortográficos sanáveis, diga-se de passagem.

Quando está de folga do trabalho, ele pratica os versos escritos na calada da noite e das madrugadas para enfrentar Mc’s vindos de outros bairros em vários pavilhões e arenas infernais.

É aqui nessas arenas infernais que as rimas rabiscadas pelo famigerado Mc durante noites e madrugadas despertam para a vida, aliás, o próprio Parte-loiça dá-lhes vida.

Sábado a tarde, tudo a postos para mais uma final de rompimento inter-bairros, e, desta vez, a final será no bairro do jovem MC Parte-loiça. Palco preparado ao pormenor, som com fidelidade aceitável, público (maioritariamente do bairro do Mc em questão) abarrotando pelos poros a famosíssima arena infernal.

“…Agora é sua vez Mc Parte-loiça, o maic (microfone), e o palco é todo seu meu irmão”, anunciou o apresentador.
“Boa tarde pessoaaleeé. Dj, bomba o instrumental aí.
Yo nigga, eu sou o próprio Parte-loiça
Quem se mete comigo eu meto na fossa,
Melhor ficares de joelhos
E me chamar de mano mais velho.
Sou boa pessoa, não gosto de intrigas
Mas já deixei cair muitos niggas,
Do Rovuma ao Maputo, do Indico ao Zumbo
Partí-lhes a loiça e queimei-os com barras de chumbo.
Em Moz, eu sou o único nigga 3D
Minhas barras passam em todos canais de TV”.

Com esta intro do Mc Parte-loiça, o público foi ao delírio. Em seguida, o outro Mc também dropou suas barras, que foram abafadas pelo barulho ensurdecedor daquele público tendencioso, e o Mc Parte-loiça voltou à carga:

“Yo, yo, vou-te mostrar o que é ser nigga de verdade
Porque nigga de verdade não nasce na cidade,
Ele nasce rico, no guetto onde eu nasci e cresci,
Mesmo agora que estou a te djimar aqui
O meu Bi-Emi está parqueado lá fora
A espera de eu levar o prémio e ir embora,
Vou para meu palácio comemorar esta victória
Que vai ficar marcada para sempre na tua memória”.

O duelo aproximava-se do final; eram 3 rounds por concorrente, sucedidos da votação do público e do júri. Já no derradeiro round, o adversário do Mc Parte-loiça ainda tentou ripostar, mas pecou por ter cometido as seguintes gafes na conjugação dos verbos da lingua portuguesa nas suas barras:

"Ahm, ahm, você bem sabes que você não és de nada seu coitado, você não tens nenhum palácio, nem terreno cinco por cinco você não tens seu desgraçado, você nem conheces a casa aonde que eu nascí, você és um mentiroso, e você tens cabeça grande, mas tua cabeça está vazia ..."

Apercebendo-se da tamanha aberração com a sempre dificil lingua de Camões por parte do seu adversário, o Mc Parte-loiça aproveitou a brecha, e sentindo o caloroso apoio do seu público, ele rompeu desta forma para convencer ao seu adversário que agora mais parecia um saco de pancadas que outra coisa:

“Yo, yo, yo, dizes que minha cabeça está vazia
Não sabes que eu não escrevo minhas rimas de dia?
És tão pobre que comigo nunca te cruzas
Não sei que operadora telefónica usas,
Se são aquelas que terminam com ‘el’ ou com ‘com’.
Se quiseres saber mais sobre mim
Vai no Google e escreve ‘wwww.parteloiça.com’,
Aí verás meu palácio, minha piscina, meu jardim
E carros de marca estacionados no quintal,
Meu palácio parece casa de Pai Natal.
Sei que te matei com essas barras do momento
Poorqueê?”
E o público respondia: ‘por que és o rei do rompimento’.
“Nunca mais desafies Mc Parte-loiça nesses eventos
Poorqueê?”
‘Por que Parte-loiça é o gajo do momento’...

Ainda mais incentivado pelo público, o jovem Mc Parte-loiça dropou as seguintes barras para estatelar o seu já quase derrotado oponente. E desta vez, ele entrou a romper com quatro 'Yo's':

“Yo, yo, yo, yo, eu sou Parte-loiça ma nigga, estou te dizer
Até tua cara ficou inchada, parece que eu estava te bater!
Agora escuta essa em jeito de encerramento:
Perdeste mais uma batalha, os meus sentimentos!
Ainda nem dropei minhas barras que têm ensinamentos
Que deves aprender de mim, eu, o próprio rei do rompimento,
O Mc do momento,
Contra factos não há argumentos”.

Já eram dezanove e trinta. A batalha campal chegava ao fim. Não foi preciso tanta ‘ginástica’ para eleger o justo vencedor. E enquanto anunciavam o ‘justo vencedor’, o público não parava de gritar: Mc-Parte-Loi-ça...Mc-Parte-Loi-ça…Mc-Parte-Loi-ça…Mc-Parte-Loi-ça…

Pois é, o Mc Parte-loiça tinha vencido a desforra. Diante do seu público e no seu reduto, o jovem guarda-nocturno venceu e convenceu. Ele não decepcionou os seus seguidores. Ele soube tirar proveito dos pontos fracos demonstrados pelo seu adversário, e com isso, conseguiu vencer a batalha.

A arte da victória nem sempre resulta do facto de possuir a melhor das tácticas, vezes há em que o segredo da victória reside no facto de saber aproveitar os erros do adversário apenas.

Almejo ver um dia, os gladiadores nacionais, os desportistas e as selecções do meu país em várias modalidades partirem a loiça, e saberem tirar proveito dos erros dos seus adversários, para vencer, acumular títulos e medalhas, tal como o MC Parte-loiça.

Sonho com o público da minha pátria Moçambique, apoiar viva e incondicionalmente qualquer modalidade do meu país. Por isso, além de "hala" Madrid, Barça, Porto, Sporting ou Benfica, digamos também "hala" às batalhas de rimas e ao desporto interno, pois, a alegria externa vai e a tristeza interna, fica.

Sonho ver o público vibrando nas bancadas de diversos recintos desportivos e arenas do meu país, tal como vibra o público residente no bairro do Mc Parte-loiça. Oxalá que Deus me oiça.

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