Não é por acaso que a Baixa da cidade de Maputo possui um dos terminais de transporte público mais movimentado da cidade. Inúmeros são os “chapas” e os machimbombos que, lotados, a baixa se dirigem várias vezes ao dia.

A vida na Baixa começa mesmo antes do sol nascer. Logo cedo pela manhã, por volta das seis, pessoas em grupo sobressaem por todos os cantos, multidões caminham de forma energética, enquanto comentam, em voz alta, sobre assuntos candentes da nação. Marcham pelas ruas e avenidas, relembrando os tópicos do último jornal da noite, passado na televisão.

A concentração, o andar, a pujança, a determinação do povo trabalhador, revelavam-se nessas marchas matinais, nessas maratonas diárias, nessa lengalenga dos cansados machimbombos, chapas, carrinhas de caixa aberta, provenientes dos mais diversos bairros da cidade. Revelam-se também nos “mapapai” vindos da KaTembe e finalmente, nos vagões de comboios que descarregam os últimos passageiros na estação dos caminhos-de-ferro, vagões carregados de sacos de açúcar, arroz e outros produtos de primeira necessidade, que seguem por vezes, na mesma carruagem com os passageiros, tornando-se numa espécie de cubículos andantes.

Integram esse grupo de passageiros que, em massa, desembarcam dos machimbombos, chapas, carrinhas de caixa aberta (mailove), dos comboios, do batelão, cidadãos de renda relativamente baixa.

Empunhando plásticos contendo badjias para o seu pequeno-almoço, marmitas de alumínio e recipientes descartáveis contendo seus “mangungos” para o almoço, desfilam eles pelas ruas e avenidas da Baixa. Encontram-se nesse grupo de cidadãos, motoristas e estafetas de instituições estatais ou privadas, pedreiros e electricistas afectos a obras de construção civil, estivadores, pessoal de limpeza, empregados domésticos (maioritariamente mulheres), polidores de carros, vendedores de acessórios para telefones celulares, agentes de recargas telefónicas, agentes de serviço de banco por celular e tantas outras ocupações que de certa forma contribuem para a economia nacional.

A chegada massiva desse grupo de cidadãos à Baixa da cidade abranda por volta das sete e trinta, dando lugar a outro grupo de “vientes”. Mas, antes que eu me debruce sobre o grupo de “vientes”, deixem-me falar das manas que também divagam pelas ruas e avenidas da Baixa sem se importarem com os ponteiros que correm a alta velocidade nos acelerados relógios das suas vidas; permitam-me que fale delas, das nossas manas.

Pensando bem, por hoje, prefiro não falar delas, antes que elas se zanguem comigo. Mas, vale deixar aqui bem claro que a luta delas não é em vão e que elas merecem nosso máximo respeito, admiração e apreço.

Aliás, quantas vezes eu apreciei nossas manas caminharem pela noite adentro nas ruas da baixa como se de modelos internacionais desfilando por uma passarelle de renomados eventos de moda se tratasse?

E quantas outras vezes eu vi-as desfilarem e entrarem em viaturas com cilindrada de se tirar o chapéu, viaturas que são autênticas máquinas? E quando isso acontecia, eu pensava comigo mesmo: “uma máquina entrando noutra máquina! Ai meu Deus, quem me dera puder um dia possuir uma delas…”.

Enfim, como dizia, o grupo de “vientes” que começa a inundar a baixa da cidade a partir das sete e pouco, é constituído por cidadãos considerados como sendo de classe média e média-baixa. Integram este grupo de cidadãos os promotores de venda, os atendentes de balcões de alguns estabelecimentos comerciais de renome, o pessoal administrativo de instituições estatais ou privadas e outros funcionários que prestam serviços em locais susceptíveis a acomodar boladas de pequena escala.

Este grupo de concidadãos não fica o dia todo no seu posto de trabalho durante o tempo normal de expediente - eles são uma espécie de funcionários mercenários, sempre contando estórias ao seu superior hierárquico para poderem ser dispensados e, secretamente, fechar uma bolada noutro lugar.

E é dessas boladas que surge algum trocado de sobra para tomar uma geladinha e saborear um bom petisco ou uma boa refeição, na acolhedora banca pertencente àquela senhora de traseiro evidenciado, naquela banca localizada na Feira Popular, no mercado Central, no Ferroviário, ou então, nos inúmeros carros que, com bagageiras abertas, perfilam nos passeios, nas ruas e nas avenidas, vendendo refeições higienicamente aprovadas por essa classe de concidadãos.

Tantos são os jovens que se enquadram neste grupo, tantos são os jovens que preferem viver de aparência, jovens que simulam esbanjar dinheiro que não têm, ao invés de priorizarem o bem-estar da família nuclear que eles, voluntariamente, criaram!…

Por volta das nove, pode-se notar maior número de viaturas de luxo galgarem ruas e avenidas a caminho da Baixa. Viaturas com vidros fumados e ar-condicionado em constante funcionamento. Alguns desses concidadãos, são os ocupantes dos poucos espaços reservados a estacionamento de viaturas cujas rodas estão isentas das “chamuças” usadas para trancar carros bem ou mal estacionados, pelas ruas, avenidas e praças da cidade.

Uns fazem-se aos seus postos de trabalho, outros, fazem-se aos seus gabinetes luxuosamente climatizados (explicarei a diferença entre posto de trabalho e gabinete numa outra ocasião). E é nas mesas desses gabinetes que uma pilha de papéis aguarda pelo deferimento ou indeferimento dos vários assuntos apresentados em cada documento.

A baixa da cidade de Maputo está sempre agitada não por causa desses três grupos de cidadãos apenas, mas também, devido àqueles cidadãos que para lá se dirigem na hora normal de expediente, empunhando curriculum vitae. Este grupo de cidadãos bate todas as portas possíveis à procura de emprego. A satisfação destes surge pelo simples facto de verem seus curricula recebidos e depositados na recepção de qualquer instituição.

Acredita-se que este grupo de indivíduos (maioritariamente jovens) conhece melhor a Baixa da cidade, pois eles caminham pelas artérias da Baixa sem destino previamente definido, eles comportam-se como os corpos em estado gasoso (a matéria que compõem estes corpos movimenta-se em qualquer direcção). Já os indivíduos de classe média comportam-se como corpos em estado líquido (tomam a forma do recipiente). E os cidadãos do terceiro grupo comportam-se como corpos em estado sólido (tem forma e volume definidos).

Apesar de algumas situações menos abonatórias, a Baixa da cidade de Maputo é um autêntico centro de confluência de pessoas, é o ponto de entrosamento de indivíduos e grupos de diferentes classes sociais. Diferentes classes sociais que fazem da Baixa o seu local de colheita, a sua terra fértil.

Entre ruinas, edifícios abandonados ou em construção, prédios modernos, a Baixa da cidade de Maputo é horta para alguns, e machamba para outros. E quando aquele grupo de homens e mulheres ziguezagueia pela pobreza e pelo luxo patentes na Baixa e tentam efectuar a sua colheita do dia, esquecem-se por alguns instantes, do luxo divino que o campo nos oferece.

Sim, o luxo do campo é divino, e em nada se compara ao luxo ilusório que a cidade nos tenta oferecer. Pois Deus fez o campo, e o Homem fez a cidade.

Tal como a Baixa da cidade de Maputo, a mente de cada um de nós é um local de colheita, é uma horta, é uma machamba, é o caminho certo rumo ao desenvolvimento.

E dentre outras variáveis, o desenvolvimento da nossa nação também depende da magnitude das colheitas feitas nas infinitas hortas e machambas disponíveis no nosso intelecto e nas nossas mãos.