Delfim e Zarina

(em celebração ao mês do AMOR. Façamos do AMOR, uma mina sem fim)

Foi através da sobrinha, que ele conheceu Zarina, naquela inesquecível sessão matinal de pesca artesanal. Naquele dia, o sol não se exibia intenso à beira do pantanal. Contemplando sua beleza, ele cochichou-lhe em surdina: “Sem tirar nem pôr, és a mulher que quero para mim, oh linda mulher, não precisas mudar nada, quero-te assim!”.

Cintura enfeitada com fios de missanga; no pescoço, uma coleira de marfim, ela esboçou um sorriso bem rasgado e disse, olhando para Delfim: “Vocês, os homens, são do mesmo saco, são todos iguais, eu tinha jurado não me relacionar nunca mais, alma da avó…”

O rio parecia possuir infinitas margens naquele dia. Sobre a rocha, Zarina lavava alguns trapos de roupa, em fardo, na companhia da sobrinha, e às gargalhadas elas riam, em sintonia. Enquanto isso, Delfim segurava firme a cana de pesca. Delfim estava agoniado!

Sim, ele estava abalado, e com toda a razão. Então, onde já se viu duas lindas raparigas gozarem um jovem pescador que se entrega à pesca de corpo e alma, para puder sustentar aos seus? Quem disse que era pecado um pescador ser também, um sonhador? Porque é que cada vez que olhavam para ele, a Zarina e a sobrinha começavam a gargalhar? Ninguém sabia responder. Elas guardavam no íntimo, todas as respostas. Coitado do pescador! Teve de engolir a seco as suas confissões e propostas!

Delfim era jovem pescador, ele é quem sustentava seus pais idosos. Com sua cana de pesca, cedo saía de casa para se fazer ao modesto rio. Delfim era pescador renomado, na zona, seus dotes de pesca eram famosos, e graças a eles, voltava para casa com invejado cardume, pescar era seu ofício.

Apesar da badalada rotina, Delfim reservava tempo para cuidar de seus pais, e sempre que possível, ele fazia companhia aos pais às missas dominicais. Quando por algum motivo, Delfim voltasse tarde a casa, os pais perdiam sono, ele era para os pais, um anjo da guarda, um verdadeiro herdeiro do trono. Pode se dizer sem exagero, que a felicidade de Delfim e dos pais, era quase completa. Pena que não se façam filhos como antigamente. Que pena!

Por outro lado, Zarina era simples lavadeira que acumulara tantas decepções amorosas ao longo da sua vida, seu coração já não palpitava de qualquer maneira, precisava de fortes motivos para tal. Tivera bons momentos, mas, por enquanto, sua vida não era um mar de rosas. Com muito esforço, tentava esquecer os homens que para ela foram nocivos. Seus pais não mais viviam juntos, há uma dezena de anos. Estavam divorciados.

Apesar das inconveniências, Zarina manteve-se leal à vida que sempre quis viver, ela pensava duas vezes antes de olhar para o homem que a quisesse conhecer, ela era suficientemente madura para rechaçar veementemente homens camuflados. Recentemente, nenhum homem mexeu com o seu coração. Por enquanto nada a preocupa, pois ela se sente em paz ali à beira do rio, lavando e pondo a secar fardos de roupa.

Há algum tempo, ela tinha ouvido falar do jovem pescador Delfim, o dotado na arte de pescar cardumes. Ele (Delfim) também tinha ouvido falar de Zarina, a menina dotada na arte de lavar roupa em fardos. Conhecerem-se era para ambos, bênção e maldição, era uma faca de dois gumes, por isso, ninguém queria tomar a dianteira, estavam próximos um do outro, mas afastados.

- Zarina, lembras-te das minhas palavras no dia em que tua sobrinha me apresentou?

- Não, não lembro e nem quero me lembrar – fingiu Zarina, com salientes rugas na testa.

- Então, não me diga que todo meu palavreado daquele inesquecível dia, o vento levou?

Zarina respondeu algo que Delfim não conseguiu perceber. Ela não era assim tão besta. Secretamente calmo, Delfim se contentou com o sorriso fechado que Zarina esboçou, mas a lavadeira Zarina, continuamente balbuciava. Uma vez que, para ela, “todo homem não presta”

Aqueles dois corações tinham transformado o rio em testemunha de sua ingénua cumplicidade. Entre alegria e tristeza, seus encontros se repetiam, à beira do rio que, impávido, assistia o começo de um romance até aqui não concretizado, mas que suavemente ardia por dentro. Sim, até aqui, aquele romance era ingénuo, inexperiente, ainda carecia de maturidade, mas era ao mesmo tempo, um romance rebelde, que no escuro, se revelava à revelia.

Hesitantes, eles sabiam que cada coração encontrava noutro, alguma cumplicidade. era como se estivessem na plateia, esperando que o mágico se exibisse com mestria, era como viverem falsa liberdade que no futuro lhes proporcionaria apenas saudade, enfim, era como se cegamente, tivessem a certeza de que seriam felizes, um dia.

O tempo passou e o afecto de Delfim para Zarina cimentava-se cada vez mais. Os dois estavam dispostos a deixar o passado para trás e começar vida nova, queriam tomar novo rumo e criar expetactivas. Eles queriam somente amar-se e ser felizes, e por último, eles queriam ver nos seus passados, marcas de apagões deixadas por uma escova que se encarregou de distanciar, ainda mais, um passado que já estava distante.

O reconhecido e elevado senso de auto estima de Zarina ia cedendo a cada instante. Diz-se por aí, que o tempo tudo cura, e Zarina bem soube demonstrar que assim é, pois, seu sentimentalismo escravizado tinha cedido ao tempo, mas nunca a fé. Sua fé continuava intacta, sua fé não queria por nada ser mexida, senão por verdadeiro amor.

Em meio a tantas dúvidas, um sentimento estranho manifestava-se em Zarina. Ela não sabia o que era, simplesmente sabia que todos os dias lhe apetecia trocar olhares com o jovem pescador. Sabia, também, que como frescas pétalas e flores, o coração do jovem pescador tentava se recompor.

A verdade escondida no coração de Zarina só foi revelada no dia de aniversário do jovem pescador:

“Queria anunciar perante os presentes, que, do fundo do coração, eu aceito-te Delfim. Espero que hoje, estejamos a começar uma relação de verdadeiro amor…”

Zarina queria (ou assim esperava), que aquele homem prestasse para o resto da sua vida. Desavergonhada, ela aproximou-se dele, entrelaçou os dedos e beijou-o na face, em plena pista de dança daquela sala de soalho cansado pertencente aos pais do jovem pescador, e ao som de linda melodia que suavemente ecoava na espaçosa sala, o jovem casal se abraçou, e ao ritmo da suave melodia, se embalou, para a surpresa dos demais presentes.

Naquela noite, aquele era o casal do momento, era o casal ideal, o casal-promessa. A roupa do jovem pescador não mais cheirará a cardume, uma vez que nas dotadas mãos de sua namorada, residia a arte de bem lavar roupa em fardo. O corpo formoso da lavadeira não mais sofrerá de fome, e as panelas vazias não mais arderão no lume dos seus carnudos e ardentes lábios…

Pois é, quis o destino ecoar tardiamente as palavras que um dia, Delfim disse a Zarina, em surdina. Quis o destino que frescas flores renascessem na vegetação de um lindo jardim onde o jovem pescador Delfim é para a lavadeira Zarina, sua virgem e mais preciosa planta de AMOR. E onde a lavadeira Zarina é, para o jovem pescador Delfim, sua eterna mina de AMOR, uma mina de AMOR sem fim.

Muitas felicidades a todos Delfins e Zarinas deste belo Moçambique.

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Samuel Benjamim

Samuel C. G. Benjamim, nascido na cidade de Tete, aos 11 de Maio de 1974, residente na Cidade de Maputo. Escreve crônicas rimadas e prosadas, escreve contos, escreve romances. Conta com duas obras literárias lançadas no mercado nacional, nomeadamente: (Tr)ilha de (T)rimas (Tr)inchadas Vol.1 e Litera(cul)turando Vol. 1.

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