Um marco inigualável na história do cinema moçambicano. A estreia do documentário “Vândalos”, realizado pelos criativos moçambicanos Melchior Ferreira e Bill Boy, esta terça-feira (13), arrastou uma multidão de fãs que não coube no auditório do Centro Cultural Franco-Moçambicano, por isso, o filme foi visto em duas sessões: às 18h00 e às 19h00. Curiosamente: as duas ficaram completamente lotadas.
Os espectadores puderam assistir o filme de 15 minutos – que mesmo sem diálogos – coloca no centro da trama o Lembranço, uma criança que procura pela sobrevivência vendendo nas ruas e passa por diversas tribulações que concorrem para o seu desaparecimento.
Aliás, o filme “Vândalos” prova, acima de tudo, que a ausência de diálogos não é ausência de voz, pelo contrário, é uma forma poderosa de dar corpo e alma às nossas vivências.
Lembranço, este personagem sem voz, tenta construir e concretizar os seus sonhos enquanto trabalha para sustentar a si próprio e à sua família, vivendo à margem da sociedade, numa casa sem estrutura e onde o amor é escasso, e vive num ofício onde é apenas mais um, enfrentando situações de abuso e violência”.
A forma como os realizadores nos mostram a rotina do rapaz é ritmada e dinâmica: cortes rápidos, ângulos precisos, câmara na mão e uma mistura de sons que constroem a ideia de uma vida marcada pela constante ausência.
Toda a experiência audiovisual do filme é meticulosamente pensada e revela uma visão tocante e muito sensível dos realizadores. Essas são realidades que reflectem as vivências de outros moçambicanos marginalizados, mas com sonhos e talentos que merecem ser vistos e valorizados por todos nós. Lembranço é um deles.
O final do filme deixa-nos uma reflexão muito actual sobre a nossa realidade enquanto moçambicanos, é, principalmente, uma provocação sobre como o nosso actual contexto socioeconómico perpetua violências, destrói sonhos e impede-nos de avançar.
O cinema é uma arte poderosa para descrever estes e outros cenários e filmes como “Vândalos” oferecem “uma perspectiva íntima e sincera que nos ajuda a suportar as duras realidades que somos obrigados a viver, inspirando-nos, talvez, a compreender melhor onde estamos, quem somos e de onde ainda não conseguimos sair”.
Para além do filme em si, os espectadores tiveram a oportunidade de assistir o processo de produção deste curta-metragem através dos seus bastidores e, para completar a dose, mergulharam na performance de Lenna Bahule, quem fez a maior parte das trilhas sonoras do filme.
Já no jardim do Centro Cultural Franco-Moçambicano uma sessão de fotos e uma exposição de artigos de moda – entre vestuário, pastas e carteiras –, que acompanham o conceito do filme, criou espaço de intercâmbio entre os espectadores e permitiram que a reflexão suscitada pelo filme pudesse continuar, embora de forma descontraída e desinibida.
Para além de Maputo, “Vândalos” estreou também em Portugal e já está alinhado para mais cinco festivais internacionais. Em Moçambique, no entanto, aguarda-se a sua rodagem em salas tradicionais como também em espaços alternativos, sobretudo nos bairros periféricos.