Só agora, um mês depois, é que despertamos do sonho rico e profundo que nos perseguiu desde que pisamos as areias de Zavala, em Inhambane, onde pulsa o som de um dos mais icónicos símbolos da cultura moçambicana – a timbila.

Só ouvíamos falar, mais das farras que o festival cria ao redor, aumentando os lucros daqueles que se aproximam à Estrada Número Um com alguma delícia local, seja para comer – peixe e outros prazeres, – como para beber – líquidos diversos com um amargo agradável. O bom de tudo é que são propostas gastronómicas com sabor local, (quase) inexistentes noutros pontos de Moçambique. Mas quando lá chegamos, depois de uma viagem (in)tranquila de aproximadamente cinco horas, perdemo-nos em encantamentos dos coqueirais que perfumam a terra e salientam um ambiente de paz, típico de Inhambane, a terra-de-boa-gente.

Não só saudamos árvores e outros detalhes naturais. As pessoas de Zavala são respeitavelmente simpáticas, doces no falar e no olhar, ostentando amizade para quem quiser provar. E foi nesse deleite mágico que vivemos por cinco dias – de quinta a domingo, sempre com o eco da timbila a vasculhar-nos os sentidos.

O grande dia foi sábado, 24 de Agosto, no Aeródromo de Quissico, como se fosse hoje, palco esculpido para receber mais de 20 grupos que encontram na timbila a razão de existir e, no Festival de Timbila de Zavala – M’Saho, a razão de persistir.

Ainda o sol rebolava no céu quando se ouviram as primeiras palmas da timbila, a saudarem os nativos e os vientes, ainda tímidos, na areia adormecida do aeródromo.

Estavam perto de 10 bailarinos, vestidos a branco, mexendo para frente e para trás, levantando as pernas, movimentando dois objectos em cada mão – que ilustra um escudo e uma azagaia. Eram homens e mulheres. Uns jovens, outros nem tanto. As mulheres (os homens também) tinham amarrado tecidos na cintura. A capulana era a mais notável, salientando o equilíbrio, a ginga, a arte do rebolado.

Da cintura para cima, os cantores e dançarinos estavam a rigor, vestidos de branco, ora preto, ora azul… com uma estampa preta na parte frontal, salientando o nome do festival. São, entre os primeiros a pisar o palco, Massessa de Homoíne, Ngalanga de Inharrime Fusão Timbila Quissico e Banguza. Depois foi a vez dos mestres-de-cerimónias saudarem os presentes e colocarem o tempero que sempre é preciso neste tipo de ‘comida musical’. Não tardou que o palco fosse arrombado por Timbila Nhagutou, grupo dali perto, na localidade de Quissico, vestidos a lilás, nas camisetas, e azul, nos lenços a cabeça.

A celebração da cultura chope entrou pela noite adentro, onde ficaram para trás Ngalanga Vungane e Fusão Timbila Chitondo. Mas antes da noite fria aquecer, o Presidente do Conselho Municipal da Vila de Quissico, Abílio José Paulo, e o administrador do distrito de Zavala, Dário Machava, deram algum sabor ao pé. E o calor começou cedo. Machava livrou-se do casaco e no lugar do seu ‘sobretudo’ levou os adereços da dança às mãos. Altivos e imponentes os governantes mostraram que não sabem apenas gerir, mas entregam-se à dança como ninguém.

Para Abílio José Paulo, Quissico tem tudo para dar certo, não só por ser terra da timbila, mas de também de ‘ntona’, mandioca e de tudo de melhor, incluindo população bonita e agradável. “Temos várias diversidades da nossa cultura que nos identificam como chopes”, salientou.

Já o governador da província de Inhambane, Eduardo Mussanhane, recordou, primeiro, as palavras de Samora Machel – a cultura é o sol que nunca desce – por isso o país e a província de Inhambane, em particular, tem no Festival do M’Saho aquela expressão que valoriza a nossa cultura na sua dimensão social e económica e para o mundo, contribuindo, deste modo, para a afirmação da nossa cultura.

E é mesmo isso, até porque a timbila, com as suas tonalidades singulares e ritmos entrelaçados, é mais do que música, mas um meio de transmissão de histórias, emoções e valores dos antepassados. Cada batida ressoa com a força de uma comunidade unida em torno de uma arte que fala de vida, celebração e, muitas vezes, luto. Este legado musical, passado de mestre a aprendiz, fortalece a identidade dos Chopes e projecta Zavala como um dos mais importantes centros culturais do país.

Grupos como Timbila de Muane, Mazivela, Ngomene, ou até Cheny Wa Gune – a grande estrela da noite – porque não Timbila Ta Venâncio ou Mkwalo são testemunhas dessa rica herança cultural e foram os grupos que levaram o público já preenchido até ao êxtase da vibração – com danças de perder o chão e cânticos que sacodem os acordes da alma.

Por isso, 30 dias depois, ainda estamos encantados pelo fulgor rítmico da timbila, e Zavala ainda brilha aos nossos olhos, aquele guardião de uma tradição que não apenas sobrevive, mas floresce, encantando o mundo com sua cadência hipnótica e original.

Reconhecida pela UNESCO, desde 2005 como Património Cultural Imaterial da Humanidade, a timbila coloca Moçambique no mapa mundial da preservação de culturas tradicionais. Mas é em Zavala, onde este paraíso rítmico é mais sentido, que a alma do instrumento realmente se revela.

A cada ano, músicos e mestres ‘timbileiros’, para além de especialistas de música e turistas de outros cantos, reúnem-se para manter viva esta tradição, que toca no âmago de todo aquele que se despe das amarras ocidentais e sente o sabor do país até às mais profundas sensações. E porque foi bom, voltaremos para o ano. Até já, Quissico!

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Elcídio Bila

Elcídio Bila é jornalista há 10 anos, escrevendo sobre artes e outros assuntos transversais. Tem passagens por dois órgãos de comunicação e diversos projectos de Media. Trabalha também como copywriter e Oficial de Relações Públicas em agências de comunicação. É fundador e director editorial da Entre Aspas.

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